:: Esta entrevista foi concedida para meu artigo sobre
:: Acari Records que saiu em inglês na revista Brazzil


 

Mauricio Carrilho

O violonista fala de sua carreira.

Daniella Thompson

Abril de 2000

Minha família

Venho de uma familia de músicos. Meu bisavô fundou, em Santo Antônio de Pádua (interior do RJ), uma banda de música. Isto aconteceu no início do século XX. Nesta banda tocaram cinco de seus filhos: Raul, trompete e trombone; Rodolfo, clarinete e requinta; Dario, saxofones; Homero, tuba; e Messias, que tocava requinta e regeu a banda por mais de 60 anos. Minha avó estudou piano e teve oito filhos dos quais só meu tio (Altamiro Carrilho) e meu pai (Alvaro Carrilho) seguiram a tradição musical da família e tocam flauta. Minha infância foi ótima. Muito futebol e muita música. Meu pai organizava times de futebol de crianças e rodas de choro. Meu irmão, Cesar Carrilho, é muito bom de bola. Chegou a jogar o primeiro Campeonato Mundial de Futebol Indoor (em Budapeste, Hungria) pela seleção brasileira. Eu era um zagueiro meio violento e me dei melhor na música.

Que música eu ouvia na minha infância

Eu ouvia basicamente música brasileira. Choro (os discos do Altamiro), Samba (ouvi muito o Roberto Silva), alguma coisa de Clássico e Jazz também.

Porque toco violão e não flauta

Uma vez, eu tinha quatro anos de idade, estava passeando com o tio Altamiro e parei diante de uma vitrine onde havia um violão. Altamiro me perguntou se eu gostava de violão, eu respondi que sim. Quando fiz cinco anos ele me deu um violão de presente que eu guardo até hoje com muito carinho.

Quando comecei a tocar, e quem me ensinou

Minha primeira aula de violão foi em dezembro de 1966. Eu tinha nove anos. Meu primeiro professor foi o Dino. Estudei com ele durante um ano. Depois fui estudar com o Meira, que eu considero meu grande mestre. Com ele, além do instrumento eu pude ter uma visão mais profunda da música. Tive grandes lições de vida com o Meira.

Os Carioquinhas

Em 1976, no Sovaco de Cobra, um bar localizado na Penha que era ponto de encontro de todos os chorões do Rio de Janeiro, conheci Rafael e Luciana Rabello. Quando tocamos juntos pela primeira vez, parecia que nos conhecíamos há anos. Rafael tinha 14 anos, Luciana 16 e eu 19. O Rafael falou a seguinte frase: “Eu toco igual o Dino, minha irmã igual o Canhoto e você igual o Meira. Nós vamos formar o melhor Regional da nossa geração.” Eu achei muito engraçada a profecia daquele garoto, mas ela acabou acontecendo. Eu ingressei nos Carioquinhas e abandonei a faculdade de medicina. Gravamos nosso disco no ano seguinte e me tornei músico profissional pelas mãos de Rafael e Luciana Rabello.

Camerata Carioca

A base dos Carioquinhas foi convidada pelo Joel Nascimento, que então já era considerado o mais importante bandolinista do Brasil, para formar um grupo e tocar a suíte “Retratos” do Radamés Gnattali. Os componentes eram: Rafael, Luciana, Celsinho (pandeiro) e eu. O Joel convidou ainda o Luiz Otávio, violonista do grupo Galo Preto. Aí surgiu o Herminio Bello de Carvalho, que nos ouviu tocar informalmente num aniversário do Radamés, e idealizou e dirigiu o espetáculo “Tributo a Jacob do Bandolim”. Neste espetáculo eu toquei pela primeira vez com Radamés, dia 11 de agosto de 1979, em Curitiba. Depois desta tourneé de estréia, o Herminio nos batizou Camerata Carioca. O grupo gravou 3 discos, teve sua formação bastante alterada mas cumpriu um papel importante na fixação de uma linguagem camerística para a formação tradicional do regional.

“Retratos”

A gravação original foi feita em 1964 por Jacob do Bandolim, orquestra de cordas, dois violões e cavaquinho, lançada em disco pela CBS. Em 1979, 15 anos depois, o Radamés transcreveu a parte da orquestra de cordas para um regional, cuja formação era: dois violões de 6 cordas, 1 violão de 7 cordas, 1 cavaquinho e pandeiro. Nessa versão os violões faziam, além da harmonia, as frases que cabiam no arranjo original aos violoncelos; o cavaquinho, o mesmo em relação aos violinos; etc. A gravação desta versão foi lançada em 1980 pela WEA. O Radamés criou ainda uma terceira versão para Joel, Camerata Carioca e orquestra de cordas, gravada em vídeo pela TVE. Mais tarde ele escreveu uma redução para dois violões para os irmãos Assad, gravada por eles na Europa. Essa mesma versão foi gravada, com algumas modificações feitas por Rafael, por Chiquinho do Acordeon, o próprio Rafa e Dininho no baixo. Eu fiz, em 1995, uma versão para O Trio (clarinete, bandolim e violão), que ainda não foi gravada. Como você pode ver, “Retratos” é a suíte mais adaptada da história da música brasileira.

Radamés e Elizeth

Radamés foi músico genial. Compositor, arranjador e pianista fora do comum. Como pessoa era muito simples. Nos tratava, apesar da diferença de idade de quase 50 anos, como velhos amigos. Aprendi muito convivendo com ele. Elizeth foi uma cantora fantástica, a maior que eu conheci, e de quem eu tenho também muita saudade.

Como comecei a arranjar e compor

Em 1978 eu comecei trabalhar com a Nara Leão. Nos tornamos amigos e ela me surpreendeu com um convite para que eu dividisse os arranjos de seu disco com Roberto Menescal. Menescal era um consagrado arranjador do movimento da Bossa Nova e eu nunca tinha escrito um arranjo na minha vida. Ela insistiu no convite com um argumento imbatível: “Todo arranjador começa, um dia, fazendo seu primeiro arranjo”. Sua confiança acabou por me contagiar e eu me iniciei nesse ofício.

Como compositor eu comecei mais cedo, com cinco anos. Compus uma primeira parte de um maxixe que Altamiro completou e gravou com sua bandinha em 1967. Mais tarde, estudando com o Meira, passei a compor com maior freqüência, mas sem nenhuma pretensão. Quando comecei a trabalhar como músico, deixei de lado o hábito de compor, salvo raríssimas incursões. Em 1989 conheci o poeta Paulo Cesar Pinheiro, de quem eu já era fã desde sempre, e ele me cobrou que eu voltasse a compor. Nos tornamos parceiros em mais de 40 músicas. Devo ao Paulinho Pinheiro essa retomada. Hoje compor faz parte do meu dia a dia.

Minhas maiores influências musicais

Na música Brasileira: Radamés, Villa-Lobos, Pixinguinha, Nazareth, Meira, Ary Barroso e Baden Powell. Adoro Bach, Piazzolla e Duke Ellington também. No entanto acho que essas listas são sempre injustas, acabamos esquecendo pessoas fundamentais na nossa formação. Porém, posso garantir que minha formação é essencialmente ligada à música do Brasil.

Que tipos de música eu ouço

Choro, Samba, Música Clássica, Jazz, Tango, Flamenco e outros gêneros que raramente freqüentam as rádios e TVs.

Como surgiu a idéia da Acari

Não é bem uma idéia e sim uma necessidade. O Choro tem quase 140 anos de existência e nunca teve uma gravadora para abrigá-lo com o devido cuidado. Alguém, algum dia, teria que tomar a atitude que tomamos. São mais de 15000 músicas sem gravação. Não dava mais pra esperar pelos executivos marqueteiros da grande indústria fonográfica.

O que penso sobre o futuro do Choro

O Choro resistiu a epidemias, pragas, duas guerras mundiais, golpes militares, desprezo de todos os governos, pouco caso das gravadoras, resiste ao massacrante processo de idiotização musical imposto pela globalização do lixo cultural internacional, e vai resistir a tudo. O seu desenvolvimento é permanente e independente de valores impostos. O Choro tem seus próprios parâmetros. Quem o conhece na intimidade não se impressiona com vanguardismos pueris e nem se sente pressionado por uma suposta necessidade de adaptação ao som da moda. O Choro positivamente não é música pra principiantes.

 

Depoimentos


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