As Crônicas Bovinas, Parte 19
A mulher do bode entra em cena.
30 de julho de 2002
Capa do LP de 1954 feita por Lan:
Almirante, Pixinguinha, João da Baiana,
Donga (veja a lista completa)Henrique Foréis Domingues (19081980), mais conhecido como Almirante, foi uma das personagens mais importantes na história da MPB. Cantor, letrista, radialista, e arquivista prodígio, ele deixava sua marca em tudo o que tocava.
Ainda um rapaz de 21 anos, Almirante fundou o lendário Bando de Tangarás em parceria com Noel Rosa, João de Barro (Braguinha), e outros jovens amigos. O carnaval de 1930 cantou o seu sucesso Na Pavuna, cujo disco foi a primeira gravação a utilizar instrumentos de percussão de samba (gravado em 1929, ele rapidamente abriu lugar para a percussão na música popular e tornou possível sambistas negros como Mano Elói Dias e Getúlio Marinho Amor gravarem pontos de macumba na venerável Casa Edison).
Como cantor, Almirante lançou muitos sucessos de carnaval durante os anos 30, incluindo O Orvalho Vem Caindo (Noel Rosa/Kid Pepe), Yes, Nós Temos Bananas e Touradas em Madri (ambas de Alberto Ribeiro & João de Barro). Ele era um amigo íntimo de Carmen Miranda e apareceu com ela no palco e em filmes. A partir de 1934, ele voltou sua atenção para o rádio e logo se tornou o programador de rádio mais inovador e popular do Brasil, conhecido como A Maior Patente do Rádio. Em um período de 18 anos, ele transmitiu 20 programas de rádio que serviram como escolas de música para várias gerações de brasileiros e tirou do esquecimento grandes nomes como os de Pixinguinha e Noel Rosa. Um dos programas de Almirante, chamado O Pessoal da Velha Guarda, era transmitido pela Rádio Tupi durante o fim dos anos 40 e início da década de 50. Sua orquestra apresentou uma porção de músicas citadas em Le Boeuf sur le Toit de Milhaud em arranjos de Pixinguinha, que também regia. As músicas eram sempre precedidas de um preâmbulo falado que dava alguma luz sobre suas origens.
Melodia No. 19: A Mulher do Bode (1918)
A Mulher do Bode é uma polca-tango do pianeiro Oswaldo Cardoso de Menezes Filho (18931935). Quando adolescente, ele passou vários anos tocando numa casa de chope na Rua Visconde do Rio Branco no Rio de Janeiro. Ele era membro de várias sociedades carnavalescas como a Sociedade Dançante Carnavalesca Paladinos Brasileiros e Grupo Dançante Carnavalesco Tome Abença da Vovó. Ainda novo, ele se tornou o pianista do famoso rancho Kananga do Japão. O nome artístico que ele usava era simplesmente Menezes Filho. Embora ele tenha publicado uma série de músicas, Cardoso de Menezes nunca gravou ou apareceu no rádio. Hoje ele é mais conhecido como o pai da famosa pianeira Carolina Cardoso de Menezes.
Graças a Almirante, que apresentou A Mulher do Bode em 1950 e novamente em 1952, nós sabemos que várias anedotas circundam essa música, todas elas interessantes. Uma delas conta que o autor foi inspirado por uma mulher de amplos atributos físicos que costumava freqüentar um cinema do Rio acompanhada por um cavalheiro de barba igualmente profusa. É uma pena que o locutor de rádio, talvez por falta de tempo, desistiu de contar as outras histórias, pois eu não pude encontrar outra fonte para elas. O texto completo das apresentações é fornecido no fim.
A parte A de A Mulher do Bode pode ser ouvida aos 10min 36s na gravação que Louis de Froment fez de Le Boeuf sur le Toit.
Em contraponto com A Mulher do Bode estão a parte A de Vamo Maruca, Vamo e a introdução de “Urubú Subiu”.
Apenas uma gravação de A Mulher do Bode foi lançada durante a vida do compositor, julgando pelas listagens na base de dados da Fundação Joaquim Nabuco:
Autor: Arranjo: Cardoso de Menezes Filho
Título: A Mulher do Bode
Gênero: Maxixe
Intérprete: Orquestra Cicero
Gravadora: Odeon
Número: 121547Há, no entanto, duas transcrições de rádio A Mulher do Bode, gravadas no programa de Almirante, O Pessoal da Velha Guarda, lançada em cassetes pela Collectors. Ambas foram arranjadas por Pixinguinha e tocadas pela Orquestra Pessoal da Velha Guarda.
Nós ouviremos um trecho da gravação de 1950.
Almirante (direita) na Rádio Nacional, 1944Comentários de Almirante no programa O Pessoal da Velha Guarda para a Rádio Tupi*
A Mulher do Bode (de um programa gravado no dia14/12/1950):
A respeito da música que se segue, corre uma série de histórias, todas elas interessantíssimas. Uma delas, por exemplo, conta que o autor dessa musica, que era o saudoso pianista Cardoso de Menezes, se inspirou em um certo cavalheiro portador de um vistoso cavanhaque e cuja esposa se fazia notar por excelentes atributos fisicos que logo davam na vista. A história bem pode ser verdadeira, pois se ajusta perfeitamente ao título que Cardoso de Menezes deu a sua música: A Mulher do Bode. Seja como for, a célebre polca é das mais interessantes do repertório da Velha Guarda, e por isso aqui vai num arranjo de Pixinguinha.
A Mulher do Bode (de um programa gravado no dia 13/3/1952):
Muitos de nossos ouvintes conheceram pessoalmente vários daqueles músicos que temos aqui frequentemente. Muitos conheceram, por exemplo, o querido pianista que foi Cardoso de Menezes, cujo virtuosismo dentro de sua classe foi motivo de admiração no seu tempo. Essa é a razão por que recebemos insistentes pedidos de músicas de Cardoso de Menezes. E a razão é porque aí vai pelo Pessoal da Velha Guarda uma de suas composições mais conhecidas e mais curiosas. Trata-se de A Mulher do Bode, charge em que o autor fixou certa criatura que frequentava um de nossos cinemas acompanhada de um cavalheiro de cavanhaque. Querem ouvir essa musica nessa audicão dois amáveis ouvintes do Rio: Raul Queiroz e Pedro Rosa, sendo que este se declara velho companheiro do saudoso pianista. Pois, ouvintes, aí vai, no belo arranjo de Pixinguinha, A Mulher do Bode de Cardoso de Menezes.
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* Os comentários foram transcritos por Alexandre Dias.
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