Ataualba Meirelles sobre
Trégua do AbsurdoO músico baiano comenta todas as
31 de maio 2005
músicas do seu primeiro disco.
Ataualba Meirelles, com mais de 20 anos de carreira como músico, compositor e produtor, acaba de lançar seu primeiro disco pessoal (leiam um artigo no Correio da Bahia.
Os músicos que participaram no disco são: Fred Dantas (trombone), Joatan Nascimento (trompete) e Tota Portela (flautas); Jurandir Santana e Tony Augusto (guitarras); Ricardo Marques (guitarras, cavaquinho e bandolim); Mauro Tahim e Márcio Diniz (baterias); Danilo Santana e Marquinho de Carvalho (piano); e Giba Conceição (percussão). Os vocalistas neste disco instrumental são Andréa Daltro, Nana Meirelles (irmã do Ataualba) e Júlio Miranda.
Neste comentário, ele fala da situação no mercado cultural de Salvador e descreve as músicas que ele gravou em Trégua do Absurdo, todas compostas por ele.
Trégua do Absurdo levou dois anos sendo gravado, em meu próprio estúdio. Isso fez com que eu tivesse cuidados com todos os detalhes. Em Salvador, as atenções dos meios culturais estão principalmente voltadas para as músicas de massa, que mantêm o turismo local como uma das principais receitas da cidade. As condições para produzir um trabalho como esse são meio suicidas e sem apoio financeiro, dependendo muito da participação e boa vontade dos amigos músicos. O disco tem a oportunidade de mostrar também, a ótima performance dos músicos de Salvador, que atualmente têm escapado para mercados como São Paulo, pelas más condições de trabalho na Bahia. No CD, assino todas as composições e arranjos. Também sou o baixista e trato dos synths.
Esse é meu primeiro CD, depois de 23 anos de carreira como músico. Já acompanhei/dirigi muitos artistas daqui, tocando em todo o Brasil e em vários países. Também fiz trilhas pra cinema e teatro. Em 1999 estive em Luanda (Angola) fazendo trilhas para a TV estatal durante a guerra civil naquela região e pude ver de perto a miséria e crueldade geradas pelo ato insano da guerra. Hoje, trabalho muito no meu estúdio, onde arranjo e dirijo muitos discos de vários artistas, a maioria com trabalhos de ótima qualidade, mas com pouca ou nenhuma divulgação.
Sobre as faixas:
Francamente #2 tem esse título porquê a linha de baixo e a levada foram tiradas de um antigo tema meu (Francamente), mas a melodia e harmonia são outras. A linha de baixo utiliza uma série de 8 notas, claro, sem o rigor do serialismo acadêmico. Algo que gosto nela é o jogo rítmico. Embora tenha a alma em 6 por 8, sua levada finge um 4 por 4 o tempo todo e os agogôs insistem em tocar um ijexá no meio disso. A gravação foi valorizada pela ótima voz de Andréa Daltro, que, como poucas, soube interpretar o tema, numa região tão difícil.
Vibhuti é um ijexá onde o tema é meio insólito. A parte B tem um clima especial com a participação do vocal de Júlio Miranda. Os improvisos dos ótimos músicos Danilo Santana e Jurandir Santana (não são irmãos), levantam a música.
2002 foi a primeira faixa gravada. Com ela, estou homenageando duas pessoas que nos deixaram em 2002. Bastola, era percussionista baiano e muito querido de todos por aqui. George Harrison também era muito querido de todos e deixou em mim uma saudade inexplicável. No meio da música, tento mostrar uma passagem, entre dois momentos, num trecho vocal. Mas o segundo momento, inesperadamente, segue igual ao primeiro, lembrando que a vida continua tanto pra nós, quanto pra eles. Essa música aqui na cidade, em forma de vinheta, virou a marca de um momento cultural na TV, e persiste a quase dois anos.
Pedra que Brilha é um baião alegre e cheio de flautas. Na língua indígena Tupy-guarany, "pedra que brilha" significa ITABERABA, que é uma cidade da bahia, bastante quente, onde minha mãe nasceu. A música foi classificada entre as 14 melhores (em meio a 1.500 músicas) no Festival da Rádio Educadora, em 2004. No início, fazemos um maracatu, sugerido pelo baterista Márcio Diniz, que ficou muito bem com o môlho da zabumba e triângulo de Giba.
Atlântico Sul mostra a cara dos anos 70, com aquele groove da guitarra wah wah de Tony Augusto e o piano rhodes de Marquinho de Carvalho. Os repiques com vassourinha (idéia de Giba) criam um clima especial na intro e na parte B. O tema é curto no trompete de Joatan Nascimento mas diz tudo. De resto, é groove.
Clube X era o nome de um time de futebol que meu pai tinha na minha infância. Meu pai é engenheiro e daí o nome cartesiano. Fiz um sambinha típico, que me lembrasse as partidas de futebol que assistia na infância. O trombone de Fred Dantas faz o tema inicial e valoriza seu momento no improviso. Na parte B, o vocal de Júlio caracteriza o tema final, arrematando a coisa toda.
Aiuruoca é uma pequena cidade do sul de Minas Gerais. A cidade tem características singulares. Fica entre altas montanhas e são avistados ovnis com frequência. A música é algo próximo do cool jazz, bastante valorizada pela interpretação do piano de Marquinho e do trompete de Joatan.
Lu e Lena é uma homenagem a minhas filhas. A música é um pop despretensioso e bom de ouvir, onde arrisco um vocal no final.
Ningameover é a mais radical das faixas. Com uso desenfreado da técnica serial, a música entra num clima de game, questionando o momento de nossa civilização global (será fim de jogo?). Depois a música vai dar num sambinha, usando como harmonia, apenas um bandolim.
Finalmente, Pierrot Solaire é uma brincadeira com o axé music (ritmo bastante popular na bahia). A música faz uso, na parte B, de uma linha serial no baixo e uma melodia igualmente serial na flauta. Tudo caminhando sobre um compasso alternado (7 por 4). O nome sugestivo é uma alusão a Pierrot Lunaire de Schoenberg (um marco da música serial), e ao mesmo tempo, uma referência ao carnaval baiano.
Leiam também:
- Minha resenha (em inglês).
- Resenha de Egídio Leitão (em português, com dois trechos de som) em MúsicaBrasileira.org.
Ataualba Meirelles: Trégua do Absurdo
(Pelourinho Discos BS008; 2005) 51:31 min.01. Francamente #2
02. Vibhuti
03. 2002
04. Pedra que Brilha
05. Atlântico Sul
06. Clube X
07. Aiuruoca
08. Lu e Lena
09. NinGameOver
10. Pierrot Solaire
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