:: Este depoimento foi publicado na
:: revista Daniella Thompson on Brazil.


 

Eduardo Gudin: canções e parceiros

Como foram compostas as músicas
de Luzes da Mesma Luz.

Daniella Thompson

Julho de 2001

[trechos de uma entrevista publicada em inglês no meu artigo
Filling the VVoid, sobre a gravadora Dabliú]

Todas as melodias foram feitas antes da letra, todas as letras vieram depois.

A música “Abertura” é só instrumental, é uma peça composta diretamente para orquestra e especial para esse projeto. É uma experiência de compor direto para orquestra. Foi a primeira vez que eu fiz isso, e ela tem um motivo básico que vai se desenvolvendo de várias maneiras conforme a leitura dos instrumentos. A gente pensa mais na sonoridade e não numa melodia para ter letra, é um outro tipo de aventura.

“Estrela do Norte” é um samba que foi feito logo após a Leila Pinheiro cantar a música “Verde” no Festival dos Festivais realizado pela Rede Globo, e o Costa Netto teve a idéia de fazer uma letra em cima da história do Festival, em 1985, quando a Leila cantou “Verde”, e foi o aparecimento da Leila Pinheiro para o público. A letra é justamente essa relação do cantor com seu público.

José Carlos Costa Netto é um dos maiores advogados, se não o maior advogado autoral do Brasil. Lida com direitos autorais e por causa disso, por causa do seu talento como descrever, como lidar com a palavra, é que ele escolheu essa profissão de advogado de direito autoral. Na realidade ele é antes de mais nada um poeta, um letrista, um escritor, e divide seu tempo com isso. Ele tem sido uma pessoa muito importante na minha carreira também como um organizador de situações, além de um letrista. Hoje ele tem a gravadora Dabliú, onde meu disco está sendo lançado; ele sempre teve essa preocupação comigo, além da nossa amizade. Então a história do Costa Netto é muito ligada a essa luta do direito autoral. Tem livros publicados e muito elogiados sobre o assunto e como letrista do mesmo jeito.

“Das Flores” é um samba de minha autoria (música e letra). Esse é um samba onde primeiramente foi feita a melodia, e ele tem um mote (uma primeira parte) e uma segunda parte que se repete com o mesmo motivo mas variando a letra—são 3 letras com o mesmo motivo, como se fosse uma espécie de resposta, tipo de samba partido alto, mas não é um partido alto, pois partido alto é um samba mais na linha de 4.

“Verde” é um samba onde a princípio eu pensava em fazê-lo somente instrumental, mas depois, com a sugestão do Costa Netto em fazer uma música para o Festival de 1985 da TV Globo, eu fiz a segunda parte da música (entre a primeira e a terceira), aquela parte em tom menor. Nós conversamos sobre fazer um samba para as diretas, por que era época do movimento das diretas no Brasil, mas que também não ficasse restrito a isso e que tivesse várias leituras. Então, com alguns artificios na letra, isso foi conseguido. A música tem uma coisa meio épica na própria estrutura do samba.

“Neo Brasil”—letra e música são minhas. É um samba que fala do brasileiro, essa melodia também tem algo de samba meio épico, ao estilo do Ary Barroso, e a letra então fala do brasileiro vivendo esses dias de neo liberalismo, que eu acho uma vida muito ingrata para o brasileiro, essa ausência total do Estado, por que as relações comerciais favorecem muito aos países já desenvolvidos. Resumindo, é a história do brasileiro que fica no meio disso, mas ele sempre acaba dando a volta por cima por causa da alegria e fica na fronteira entre a crítica e uma alegoria.

“Paulista” é um bolero, onde o Costa Netto fez uma letra falando da Avenida Paulista, que é o orgulho dos paulistanos. Lembra uma questão amorosa com os casarões. Ainda existem alguns, mas a maioria foi transformado em casas comerciais; alguns foram tombados. Realmente é muito bonita a Avenida.

“Ângulos” é uma experiência proposta pelo Arrigo Barnabé. Na música nós fazemos a mistura dodecafonismo com música tonal. De repente a música é feita pelas regras dodecafônicas e de repente ela se mistura com a música tonal, vai passando de um para outro, com encadiamento que é original. Essa forma de fazer foi uma proposta do Arrigo Barnabé, e o Caetano Veloso pôs uma letra também com essa proposta meio impressionista.

“Obrigado” é um samba de amor, um samba lento, foi até uma sugestão para um outro disco meu que eu fiz, Noticias dum Brasil, e o Vitor Martins me sugeriu fazer uma canção de amor, e eu fiz a letra pois a melodia já havia feito há algum tempo.

“Mordaça” é uma música da época da repressão, contra a ditadura no Brasil. Ela foi feita em 1974, quando os atos de exceção ainda estavam vigorando e a censura era muito forte. Paulo Cesar Pinheiro e eu fizemos isso, e daí foi extraido uma frase que faz parte dessa música que é “O importante é que nossa emoção sobreviva”, que ficou título de um show e de uma série de discos.

O Paulo Cesar Pinheiro tem uma caracteristica de ter começado muito cedo. A primeira música dele que foi gravada, “Viagem”, foi sucesso no Brasil inteiro e ele a fez com 14 anos. É uma pessoa que sempre foi um profissional da letra, ele vive disso, trabalha todo dia e tem um sistema. São poucas as pessoas que tem essa atividade ligada à letra como ele tem. É um gênio, e até hoje trabalha com muita satisfação, com muita irreverência. Com a questão da moda ele não tem absolutamente nenhuma ligação. É essa a caracteristica principal do Paulo, essa perserverança e a genialidade. A alegria com que ele faz seu trabalho é como se ele estivesse começando hoje.

“Canção Serena” é uma canção típica (4x4), tem uma parte só, comprida, que vai se desenvolvendo. A letra fala da serenidade que o amor traz a partir de um certo tempo.

“Luzes da Mesma Luz” é uma canção onde a melodia também foi feita em primeiro lugar, e o Sergio Natureza foi muito feliz fazendo essa letra bem ao estilo dele, muito delicada, mas com muita expressividade. É na linha da canção Jobiniana, essas canções Jobinianas.

O Sergio Natureza já é uma pessoa muito ligada em fazer letra primeiro que a música, ao contrário dos outros dois aqui já citados. Mas nesse caso, a música “Luzes da Mesma Luz”, foi feita a melodia primeiro. O Sergio é ligado a uma coisa naturalista, ele tem uma filosofia de vida diferente. Ele é um poeta maravilhoso.

“Ainda Mais” é um samba que fiz com Paulinho da Viola, onde fiz a melodia e Paulinho fez uma pontizinha para fazer um retorno da parte do meio para voltar para a primeira parte, e depois colocou a letra. Esse samba ficou bastante tempo com ele para ele fazer a letra e é uma parceria que me orgulha muito, pois o Paulinho sempre foi um ídolo para mim. É um samba muito gostoso de cantar, a gente tem muito prazer em estar cantando ele sempre.

Paulinho da Viola dispensa comentários, por que tem essa história toda, é o maior, o grande compositor de samba. O Paulinho é a sintese de um samba mais erudito, mais intelectualizado e o samba mais tradicional.

“Apaixonada” é uma música com letra de Aluízio Falcão. Esse samba já tem uns 10 anos ficou guardado, ele foi feito para a cantora Cal Gosta, mas ela acabou não ouvindo na época, e esse samba ficou guardado. Para o contexto desse disco, ele é super importante para uma determinada linha de samba, ele fica entre a bossa nova e o samba, na fronteira do samba mais autêntico e da bossa nova, que é uma espécie de samba também.

O Aluízio Falcão é um jornalista, escritor, produtor cultural. Fazer música é quase como um hobby para ele. Ele usa até um pseudonimo as vezes e ele é de uma categoria incrível, uma maestria em tudo que faz. Hoje ele é ligado a reitoria da USP, na parte cultural ele é quem organiza tudo na faculdade.

“Velho Ateu” (letra de Roberto Riberti) eu acho o samba mais de raiz que eu fiz, que foi mais gratificante ter feito, e é um samba muito na linha do Nelson Cavaquinho que é meu compadre, padrinho de minha filha mais velha. Essa linha de samba de Nelson Cavaquinho sempre é muito rica, e eu tive uma influência dele ao fazer esse samba. E então eu só podia fechar o disco com um tipo de orquestração assim, como foi feito.

Roberto Riberti é um letrista, um compositor de melodias, e uma pessoa que sempre teve muita afinidade comigo no resultado das canções. Acho que todas as músicas que tenho com Riberti são muito bem acabadas. Ele se afastou um pouco e agora está voltando ao trabalho musical. Ele sempre é o letrista quando faço a parceria com Arrigo Barnabé. A não ser nessa que o Caetano Veloso fez, é sempre o Riberti que faz a parte das letras, e nós temos várias canções gravadas, eu, ele e o Arrigo, fora as músicas que tenho só com ele.

 

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