Simone Guimarães vira prá lua
A cantora e compositora fala
19 de março 2002
do seu disco mais recente.
Foto: Lua Discos1. Virada prá Lua (Simone Guimarães/Sergio Natureza)
Virada prá Lua é voltar-se novamente para o seu sonho, eternizar o lirismo, renascer a cada momento com o seu instrumento: a criação. Estávamos (eu, minha empresária e o Sérgio) todos sem dinheiro, mas sempre compondo e pensando no novo disco. A maré não estava prá peixe, como é sempre aqui no Brasil, e numa das noites brasileiras, minha empresária teve um sonho: o de que um hermitão tinha lhe dito que o meu próximo CD chamava-se Virada pra Lua. Com o tom profético de quem acredita nos sonhos como uma mola de criação e de quem impulsiona a vida de maneira muito leve e bem humorada, ela se dirigiu a mim. Achei sensacional. Encomendei uma letra ao Sergio com este título, e em poucos dias ele me trouxe uma maravilha de letra. Tinha tudo a ver com o nosso momento, onde achávamos que tínhamos mesmo que dar uma virada. Assim coloquei uma música na letra e aí está.O arranjo foi feito pelo Leandro Braga. Acho que ele compreendeu bem a atmosfera da música e acredito que tivemos um bom resultado. Não sei ainda se a mixagem ficou legal, acho que poderia ter ficado melhor. Foi minha primeira experiência digital, PROTUS, mas pelo que vi prefiro o analógico, aquela gravação de rolo.
2. Cenários (Misael da Hora/Júlio Moura)
Esta canção veio para o disco através do Sergio Natureza, foi ele quem me trouxe. Os autores disseram para mim que fizeram pensando no Milton Nascimento, são eles Misael da Hora e Júlio Moura. É gente nova, da minha geração de 30 anos. Como eu digo no encarte do CD, acredito muito nessa geração apesar da dificuldades históricas. É uma toada que tem uma letra comtemplativa e destila cenários e imagens muito gostosas como Minha voz em beira de estrada é canto para quem vem, nas ondas da madrugada, qualquer cançaõ me convém.3. Imagem e Semelhança (Bena Lobo/Kiko Continentino/Milton Nascimento)
Questiona a idéia de que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus e diz que estamos muito distantes disso. Adorei a música e quiz fazer a denúncia com o Milton. Acredito que poderíamos estar vivendo de maneira mais hominizadora. Não vejo bondade nos Homens e sinto que estamos muito longe de realizarmos o sonho dos grandes idealistas que pregaram a comunhão entre os homens. A Globalização que tem esse nome agora, mas que poderia muito bem se chamar mercantilismo, colonialismo ou qualquer destas movimentações de colonização, achata a diversidade, destrói os ideais e homogeniza as psiquês, mas não distribui a riqueza e isto me soa bizonho demais. Acredito que o artista que tem uma imagem projetada deve sempre denunciar essa antropofagia e desmascarar a capa de sociedade em que está envolvida a humanidade toda.4. Imensidade (Simone Guimarães)
É uma elegia à beleza negra. Faço um construção poética que subverte a imagem negativa dos negros, como são vistos aqui dentro do Brasil. O negro ainda não encontrou um olhar humano enquanto trabalhador, apenas seduz pela sua liberdade, pela sua sensualidade e pela pluralidade em suas crenças.Assim como dita a estatística da ONG Fala Preta, o negro apresenta uma taxa de analfabetismo três vezes maior que entre os brancos. Isto me sabe bizonho feito as amizades que tenho encontrado, com raríssimas excessões.
Belas, são belas tão belas
Dançam, crianças lá na favela
São estrelas as janelas
Galopando pelos ventos
que correm nos pensamentos
O vento sopra esperança
Eu estou cá na cidade
e fico espiando o morro
e quando um samba vem de lá
é feito uma oração
Bocas, são bocas de mil escravos
São homens fortes e bravos
e belo como é seu canto
que vem do rugir das matas
O canto sopra esperando
e rola na imensidade
e varre de nós a fome
e tira esse cão das tardes,
das manhãs, são os tam-tans,
voz de libertação.
Gatas, mulatas filhas das matas,
morena lá do cinema,
com suas plumas de penas,
apaixonando a cidade;
menina da cor das águas
deixou louco o estrangeiro:
queira porque queria,
queria ser brasileiro
e de manhã veio Iansã
levar seu coração.5. Porto de Araújo (Guinga/Paulo Cesar Pinheiro)
Belíssima prata encontrada no baú do Guinga em parceira com o Paulinho Pinheiro. Conta uma história parecida com a minha, de quem deixa sua terra em busca do seu sonho e senti uma ponta de melancolia e um pouco de saudade do passado.6. Night Club (Kiko Continentino/Simone Guimarães)
Uma parceria que vem rendendo algumas coisas interessantes prá mim. Acho o Kiko o melhor de sua geração mineira. Amo suas composições, que variam do estilo das músicas do Clube da Esquina ao sofisticado Jobim, e rebusca universos que a música brasileira vem perdendo com a hegemonia das grandes gravadoras, que sufocam o mercado com bobagens. Músicas que somam alta quantia em dinheiro e que enchem os bolsos dos donos das grandes multinacionais da indústria fonográfica e por conseguinte os ouvidos de porcaria. É muito ruim viver num país em retrocesso. O Kiko é um oásis no deserto.7. Trinta Anos (Ivan Lins/Victor Martins)
Música que denuncia o tempo todo a falta de respaldo que o país tem para com o artista ou para qualquer que seja o indivíduo. Gravei esta música porque dizia exatamente o que eu estava sentindo: Eu já tenho trinta anos, dando o sangue, força, dando a alma pro país, sei lá.8. Meu Coração (Thomas Roth)
Uma das músicas mais lindas que eu já conheci. O Thomas é muito inspirado. Ele já teve música gravadas por Elis Regina. Agora lançou um selo chamado Lua Discos e é quem me grava. Acho que ele está se propondo a fazer o mesmo trabalho que o Ivan Lins fez com a Velas. Uma espécie de resgate e memória da MPB.9. Sertão das Águas II (Yuri Popoff/Simone Guimarães)
Fiz esta letra em cima da música do Yuri, pensando na minha terra Santa Rosa de Viterbo, tentando traduzir um pouco do meu universo.10. A Fábula do Riacho (Simone Guimarães/Cristina Saraiva)
Uma letra extremamente romântica com música simples, que apenas tem o interesse em valorizar os versos de amor.11. Cumbuca (José Márcio Castro Alves)
É uma moda de amor. Simples e bela. Letra forte e sentida. Inspirada no canto do interior Paulista. O canto do caipira. Também ganhou um arranjo leve do Leandro Braga e surpreende pela simplicidade.12. Convulsionada (Simone Guimarães)
Poética ininterrupta inspirada no surrealismo de Breton.13. Marilyn (Simone Guimarães/Rosana Zaidan)
Machinha do carnaval de 2002. Compusemos esta marcha no carnaval de 1991. Fala do anseio das mulheres em parecerem bonitas. Acho que vai dar o maior pé. Pelo menos é o que tem demonstrado nos shows.
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