:: Os artigos individuais nesta série foram originalmente
:: publicados na revista Daniella Thompson on Brazil.

 Tradução: Alexandre Dias

 

As Crônicas Bovinas

Au Temps du Boeuf sur le Toit
2. O Primeiro Espetáculo de Le Boeuf sur le Toit.

Daniella Thompson

5 de agosto de 2003


Pôster da primeira apresentação de “Le Boeuf sur le Toit” (coleção Crépineau)

Os eventos que levaram à estréia de Le Boeuf sur le Toit foram descritos por Milhaud em sua autobiografia (veja As Crônicas Bovinas, Partes 15 & 16). Em seu livro Darius Milhaud, Paul Collaer acrescentou as seguintes observações:

Milhaud deu [à música] seu título definitivo quando ela foi apresentada pela primeira vez no teatro Comédie des Champs-Elysées em 1920, durante aquele período fascinante em que as extravagâncias musicais de Les Six colocaram toda Paris em um estado de choque. Cocteau a encenou como uma pantomima para acrobatas e palhaços. A ação ultrajante foi representada em câmera lenta, como uma seqüência de sonhos, enquanto a música, num contraste completo, avançava a toda velocidade. Fauconnet criou as maravilhosas máscaras; depois de sua morte, Raoul Dufy assumiu o trabalho dele, terminando não só o design das fantasias, mas também a pintura do cenário. A pantomima foi confiada àquela admirável família de palhaços, os Fratellini, cujo senso infantil de deslumbramento parecia transformar o mundo todo em um grandioso e mágico brinquedo.


Detalhe do pôster da primeira apresentação

Eu nunca esquecerei um dia em que os três irmãos, Paul, François e Albert, tiveram uma folga de uma apresentação que estavam fazendo no Palais de Cristal em Marselha. Nós os encontramos na estação em Aix e então acompanhamos aqueles indivíduos incríveis enquanto deslizavam pelo Cours Mirabeau. De repente, a atenção de cada cidadão na rua voltou-se para eles, não devido a algum esforço especial da parte deles para obter atenção, mas devido ao fato de eles estarem imersos de maneira tão profunda em seu mundo de fantasia que eles arrastavam outros consigo. Quando chegaram a L’Enclos, eles esvaziaram seus bolsos cheios de todos os tipos de bugigangas. Então eles cabriolaram no jardim, guinchando de alegria ao encontrarem frutas que não estavam expostas em vitrines dentro de caixas arrumadas sob o brilho de lâmpadas elétricas, e ao descobrirem que, se você espremesse aquelas belas frutas de um certo jeito, eles pulariam como sapos.


Os irmãos Fratellini visitando Milhaud em L’Enclos, o sítio da família Milhaud, 1920 (arquivo de Darius Milhaud)

Por muito tempo, pintores, escritores e compositores fizeram passeios especiais ao circo para assistir a estes grandes atores, que inspiraram muitos artistas. Os Fratellini, por sua vez, foram influenciados por alguns dos pintores. Sua interpretação de uma das cenas em Le Boeuf sur le Toit era sob todos os aspectos parecida com os sombreados, a linha pura e a disciplina rítmica de uma obra de Picasso.

A apresentação no teatro Comédie des Champs-Elysées provou ser uma colaboração especialmente fortuita. O que resta dela hoje é a música exuberante, a escrita de Cocteau, os desenhos de Dufy e também, nos Etudes de Milhaud, uma descrição maravilhosa dos Fratellini apresentando sua paródia ultrajante Miousic no Circo Medrano.

Considerado a princípio uma bagatela divertida, Le Boeuf sur le Toit assumiu seu lugar como um das obras orquestrais de Milhaud mais tocadas e mais gravadas.


Detalhe da partitura manuscrita de Milhaud de 1919


Partitura manuscrita de Milhaud de 1919 (arquivo de Darius Milhaud)


Nota: As fotografias nesta página foram parte da exposição Au Temps du “Boeuf sur le Toit” 1918–1928, aberta ao público entre maio e julho de 1981 no Centre d’Art Plastique Contemporain Artcurial, 9 avenue Matignon, Paris, e impressas no catálogo da exposição, a partir do qual foram escaneadas.

 

 

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