:: Os artigos individuais nesta série foram originalmente
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 Tradução: Alexandre Dias

 

As Crônicas Bovinas, Parte 2

Marcelo Tupinambá continua
seu rastro com “Viola Cantadeira”.

Daniella Thompson

13 de abril de 2002


Darius Milhaud

Em 1920, Darius Milhaud escreveu:

A riqueza rítmica, a fantasia sempre renovada, a verve, a vivacidade, a invenção melódica de uma imaginação prodigiosa que são encontradas em cada obra destes dois mestres tornam estes a glória e a jóia da arte brasileira.

Os dois mestres a quem Milhaud tanto estava louvando eram Marcelo Tupinambá e Ernesto Nazareth. Onze composições deles foram citadas em Le Boeuf sur le Toit. Sete das onze pertencem a o menos conhecido dos dois. Foi o seu maxixe “São Paulo Futuro” que abriu o ciclo de citações, e a segunda música é dele também.

Melodia No. 2: “Viola Cantadeira” (1917)

Viola cantadeira é um dos nomes dados ao violão regional brasileiro. Roberto Corrêa, um dos mais importantes violeiros brasileiros e de maior autoridade sobre o instrumento, conta-nos que viola, viola pinho, viola caipira, e viola sertaneja são as denominações mais comuns, mas também é possível encontrá-lo com os nomes de viola de arame, viola nordestina, viola cabocla, viola de dez cordas, viola chorosa, viola de Queluz, viola serena, viola brasileira, etc.

Marcelo Tupinambá compôs inúmeras músicas com sotaque sertanejo, sendo o tanguinho “Viola Cantadeira” (ou “Vióla Cantadêra”, como era originalmente grafado) uma delas. Esta peça teve sua estréia encenada na opereta sertaneja Scenas da Roça, escrita por Arlindo Leal.

Na gravação que Louis de Froment fez de Le Boeuf sur le Toit, “Viola Cantadeira” começa a 1min 3s. Tendo citado as partes A e B de “São Paulo Futuro”, Milhaud cita a parte B de “Viola Cantadeira” primeiro. A parte A segue a 1min 22s.

A base de dados da Fundação Joaquim Nabuco lista uma única gravação antiga, sem data:

Autor: Marcelo Tupinambá
Título: Vióla Cantadêra
Gênero: Tanguinho
Intérprete: Grupo O Passos no Choro
Gravadora: Odeon
Número: 121516

O outro lado do mesmo disco contém “Maricota, Sai da Chuva”, outro tanguinho composto por Tupinambá, apresentado em Scenas da Roça e citado em Le Boeuf.

Durante a era do LP, “Viola Cantadeira” foi gravada pelo pianista Mário de Azevedo no álbum Marcello Tupynambá na Interpretação do Pianista Mario de Azevedo (Sinter SLP-1090; 1956) e pela cantora/folclorista Ely Camargo em Canção da Guitarra—Obras de Marcelo Tupinambá (Chantecler CMG-2471; 1968). Chantecler (posteriormente acquirida pela Warner Brasil) foi um selo pioneiro no gênero sertanejo. Warner nunca foi disposta a relançar as gravações da Chantecler em CD. Felizmwnte, colecionadores de vinil tomaram a iniciativa.

Este trecho sonoro foi tirado da gravação da Ely Camargo.

A patitura para piano de “Vióla Cantadêra” vendida por 1.500 réis pela Vieira Machado & C. leva o subtítulo Canção Sertaneja e informa que a canção estava incluída no repertório dos duetistas Os Garridos. Apenas Tupinambá é listado como autor, embora o nome de Arlindo Leal apareça como autor original de Scenas da Roça.

Aqui está a letra da partitura original para piano:

Vióla Cantadêra
Tanguinho
Canção Sertaneja
Da opereta sertaneja "Scenas da Roça"
Original de Arlindo Leal
Musica de Marcello Tupynambá

Temperada minha vióla
Vou rasgando logo a toada...
E a minh'arma' se aconsola
Já não véve amargurada...
Minha vióla é cantadêra,
Vae chorando a minha dô...
E pôr ser bôa companhèra
Nunca nunca me deixou
Ai!...

C'om a vióla, no sertão,
Quando a noite é de luá...
Vou abrindo o coração,
Nunca deixo de cantá

Quando alembro, com sôdade,
Da muié que me enganô...
Eu renégo a mocidade
Que não vorta e já passô!..
Quando eu canto, quando eu chóro,
A viola vae gemendo
E na serra adonde móro,
Minha vois se vae perdendo...
Ai!..

E sosinho, no sertão,
Quando a noite é de luá...
Vou abrindo o coração,
Aliviando o meu pená...

Quando eu canto, no terrêro
,Minha vois correndo, avôa...
Corre as matta, corre os sêrro
E bem longe ela resôa...
Quando eu canto, com tristura,
Minha viola, num gemido,
C'o meu canto se amistura.
Mais me deixa intrestecido!..
Ai!..

C'om a viola, no sertão
Quando a noite é de luá...
Vou abrindo o coração,
Aliviando o meu "pená"
Aliviando o meu pená...

 

 

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